1. |
cidade/cadáveres
02:29
|
|||
a cidade
cidade
cidad
/a/ /sid´ adi/
/sid´ adi/
/sid´ a/
aos cadáveres
que cochilam perfumados numa ponte de ferro que quebrou ao meio
crianças lavam o sangue das que não sabem nadar
uma torre de ferragens flutua no céu
as fotografias dos helicópteros capturam as ferrugens que inundam as roupas brancas
[com uma nódoa de impossível remoção
a não ser que cavalarias
a não ser que tropas removam os corpos
linha reta, som coturno, estampido,
perder de vista
corpo quente, mancha removida no inchaço da mulher que respira gás lacrimogênio
gira a roleta-russa e vê no que dá
talvez role jornal da manhã
ou
meio-dia
eles é que sabem
|
||||
2. |
daninha
03:57
|
|||
há de ser uma flor
no bairro escuro
sangra, salta e crê
acabou de vento
como faz, meu bem nascer
a terra chorou
no dia claro
calma, espera e vê
luzes, luz
o sol mais que brilhe quer morrer
ela despertou
revolta daninha flor
faz crias, invade terrenos
espécie, poesia das vozes
uma espécie
poesia das vozes
(quem é)
|
||||
3. |
urbe/um corpo/chão
06:11
|
|||
hoje na minha boca
não cabem girassóis
cabe um poemapodre
cheiro de mangue capibaribe
um poemaponte
galeria esgoto chuvas de abril
um poemacidade
fumaça ferrugem fuligem
hoje na minha boca
cabe apenas o poema
o poema hóspede da agonia
[era um corpo
eram dois
juntos formavam quase três
tinha um quarto
tinha um quinto
dentro do metro
outros seis]
como eu móvel aqui no chão
corte corte faca fúria seta cego foice dente rua
verso corte faca cega dente mole pedra sangra salto
fundo corte faca olho puro golpe fundo fundo corte
galo canta rádio faca corte luta branca arma branca
pé mão olho bucho vento corte faca cego tátil
[óbvio óbvio
como eu móvel aqui no chão
acima sons de poeira de fora janela chinelo
garganta polegares fresta gradação cores -metria
geocorpo presenças que se movem (cabe muita
gente nesse chão m²) cão corpo de gente cara
pombo asa de puta pele de porco som de zumbido
grunhido de mãe cantiga absurda rangido bomba
caseira ferrugem planta passeios que se repetem
[lá fora o animal que envelhece
como eu móvel aqui no chão
longe
do
céu
tudo
é chão
na
acidente
do
recife
a cidade
[geográfico
|
||||
4. |
mãe
03:27
|
|||
mãe inha
tá tudo escuro aqui
a lama derrubou a tevê da sala
quebrou, mãe
inha
chore não
ai, pai inho
o lobo derrubou a porta e as paredes de casa
quarto, sala, cozinha, banheiro
tá tudo espalhado em cima de mim
ai,
inha, inho
se encontrar as velas nessa bagunça
acende uma estória
tá quase escuro dentro de mim
|
||||
5. |
não há
03:39
|
|||
são vozes do norte sul
o tempo do mar virou
a pedra de sal
exposta ao sol
o céu calor
mamãe me cantou dormiu
sonhado vivi
no país fantasma
há golpes de faca
dentro de mim
tua dor me desarmou
tua casa escureceu
olha a água da neném
a neném não quer morrer
é
roubaram o meu sol (comeram)
mataram o meu sol (calaram)
avisa o que é que é
"ê
cadê sol
cadê
nenhum sol
cadê
ê
cadê luz
cadê
não há luz
não há
não há"
|
||||
6. |
escuro/vazio
03:35
|
|||
senhor do escuro,
más notícias
as cidades com seus nervos
tropeçavam sobre os homens esmagando a si mesmas
pernas, sonhos, tortos filhos, casa, portos
tenhas medo
a paisagem e o deserto movem-se por dentro
saem pela rua
encontram o palco
todos sobem
falam contra o vento
mas tu, segues tropeçando sobre um jovem vagabundo
cê me acolhe na noite como a um cão
cantam, berram, picham, riem alto
voltam todos vivos para o centro
mas tu, queres construir um novo mundo
vês como o céu está às mãos
canções não são bênçãos quando oprimem
ouvir os velhos inda me comove
o solitário erra o seu caminho
estou tentado a quebrar o teu coração
que vazio
é esse que não queres soterrar
|
||||
7. |
uma máquina/sobre nós
03:07
|
|||
komatsu é uma máquina
komatsu é uma grande máquina amarela
komatsu desterrou famílias
komatsu remexeu na terra
komatsu passou por cima
komatsu atravessou o velho
komatsu destruiu o antigo
komatsu inventou o novo
komatsu é um senhor nervoso
komatsu não escuta as vozes
komatsu não compreende o choro
komatsu indenizou a todos
komatsu só quer trabalhar
komatsu é como a lei da vida
komatsu não desconhece a morte
komatsu é um leão faminto
komatsu é o leão do norte
de longe se vê,
komatsu
como uma assombração que se arvora sobre nós
gerônimos, verônicas, manoéis, severinas
enraizados de pés e histórias da terra
descobertos pelo medo que vibra
sua morada de paredes frágeis
na casa que sangrou primeiro
espalhou sobre o chão suas vísceras de areia
entulhos cor de cinza, peles cor de rubro
amputadas as pernas,
os braços,
as vozes
choraram gerônimos,
verônicas,
manoéis,
morreram severinas
as nossas próprias sombrações
entulhadas no que sobrou da casa
que morreu e ainda permanece,
como nós,
de pé
ranhuras dos dedos cravam as unhas no pedaço de terra que é ilha e é chão
como as pedras trôpegas que rolam
sem ter nunca um canto de seu pra poder descansar
|
||||
8. |
geografia
02:16
|
|||
geografia:
lugar-
território inaudito
pás de escavar memória removem os corpos sensíveis
perfurações no solo descobrem experiências
invisíveis, visíveis, turvas,
esmaecidas
a mortalha envolta com embrulhos de jornal
por mãos de escritoras
pelo movimento dos barcos
deslizam as periferias,
marginais,
penumbras
na escritura quente de uma mulher negra
para a luz elétrica das gráficas dos bairros centrais
as histórias acordam os mortos-vivos
os santos soldados enrijecem seus paus
as meninas se movem entre fodas, escarros e vulvas
a cavalaria desmembra estatísticas
enquanto no cais do porto a carne mais barata do mercado é a carne negra
negra,
|
||||
9. |
música
03:29
|
|||
pela música que fratura
o mundo
cantar, cantar
os ossos desmembrados
contar
a quinquilharia esparramada
no chão,
diante dos mais velhos de casas horizontais e poeira
pó, pigarro, falta de ar
lágrima, videoteipe
a música da poesia
a poesia da música
cercados, circulações,
fins do mundo,
galáxias
canção descalçada
peito aberto
ó
"Ó cidade faminta!
Alimentando-se de letras de canções
Ó
Como um cego no seu nó
Nunca sei o que é que há
Quem é meu, onde é que eu tô
Fui parar num bairro líquido
Onde a chuva sem ser sonho
Foi subindo até o pescoço
E afogou cada pedaço
Ó
Para mim é dia claro
E eu tirava fora um olho
Sem trair minha visão
Ó cidade faminta!
Alimentando-se de letras de canções
O sol explode na cidade
A máquina sonha
Helena, os prédios também morrem
Helena, prédios também transpiram
Helena, prédios também escarram
E a cidade é o centro do cerco"
|
||||
10. |
cidad
04:13
|
|||
de longe se vê
e é tão natural
se tua casa é um chão de medo
te ouvir não faz mal
a casa sangrou primeiro
posso sofrer, posso chorar
nem sempre se crê
lutar é banal
toma o teu lugar-desterro
calar é normal
a corda quebrou no meio
posso morrer, posso matar
a cidade me encantou, amor
avenida me encantou, amor
o passeio me encantou, amor
o que cerca me encantou, amor
ó cidad cidad cidad
cidad
dá
dor
dói
ó cidad cidad
se dor
se dói
|
Oliveira PE, Brazil
Oliveira lançou em 2019 a obra "Canções não", formada por livro de poemas, espetáculo e disco.
Em 2024 lançou o álbum "Teu nome vem de longe", com artistas de Recife, Brejão, Goiana, de Pernambuco, e São Paulo/SP.
Streaming and Download help
If you like Oliveira, you may also like:
Bandcamp Daily your guide to the world of Bandcamp